A História da Ortopedia e da Cirurgia do Quadril

A HISTÓRIA DA ORTOPEDIA

A Cirurgia do Quadril é apenas um dos diversos ramos da especialidade médica conhecida como Ortopedia e Traumatologia. A história da Ortopedia se inicia nos primórdios da Medicina e esta, por sua vez, se confunde com a própria história da Humanidade.

Qualquer tentativa de resumir esta história é injusta, pois seria impossível citar todos os merecedores de reconhecimento.

A evolução que permitiu-nos chegar à tecnologia que dispomos hoje aconteceu gradualmente ao longo de séculos, passo-a-passo. Envolveu uma infinidade de mentes brilhantes, que buscaram a melhoria dos tratamentos disponíveis em suas respectivas épocas, dispondo apenas de poucas ferramentas e de um conhecimento científico que ainda engatinhava.

Este texto é apenas um breve relato desta jornada tão interessante e apaixonante quanto a ciência atual. A história continua a ser escrita, mais velozmente do que nunca.

Ortopedia Antiga

A história começa no Egito Antigo – a.C. Pesquisas arqueológicas encontraram múmias que portavam talas feitas de bambú e tecidos para a imobilização de fraturas. Registros da época mostram uma técnica avançada que contava inclusive com instrumentais cirúrgicos específicos.

As primeiras próteses para substituição de extremidades amputadas são desta época. Eram basicamente peças esculpidas em madeira, à semelhança do membro perdido.

Na Grécia antiga, Hipócrates (400a.C.) realizou e descreveu várias manobras para redução de luxações e tratamento de fraturas. Até hoje ainda utilizamos algumas variações de seus métodos. O Juramento do Médico também é creditado a Hipócrates e norteia desde então os princípios éticos da profissão.

No período do Império Romano, o grego Galeno destacou-se pelo detalhamento da anatomia do corpo humano, do esqueleto, dos músculos e suas funções, entre tantos outros estudos.

A história do prosaico “gesso” também começa nesta época, com o uso de moldes grosseiros feitos com tábuas. Era comum o uso de misturas como farinha, ovos, sangue de cavalo – entre outras, na tentativa de dar rigidez aos enfaixamentos. A atadura gessada como conhecemos hoje somente começaria a surgir por volta de 1800.

A origem da palavra “Ortopedia”

Nicholas Andry criou o termo “Ortopedia” em sua clássica publicação de 1741: “Ortopedia, ou a Arte de Corrigir e Prevenir Deformidades em Crianças”. A palavra deriva da combinacão dos termos gregos “orthos” (reto) e “paidion” (criança). Neste período, a especialidade tratava principalmente as deformidades da coluna e dos ossos infantis, por isso a origem do termo tem este significado. A ilustração da árvore tortuosa amparada a um alicerce reto que ilustrava seu livro tornou-se o símbolo da Ortopedia.

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A HISTÓRIA DA PRÓTESE DE QUADRIL

A artroplastia total de quadril, como conhecemos hoje, é um dos procedimentos de maior sucesso da Medicina. Todo ano, centenas de milhares de pacientes se beneficiam do alívio da dor e da melhora na qualidade de vida proporcionada por uma cirurgia bem sucedida.

Mas nem sempre foi assim. Os avanços que nos permitiram resultados replicáveis, com boa margem de segurança, começaram a surgir apenas na década de 60.

Nos primórdios da cirurgia de quadril os resultados eram bastante erráticos. Não se dispunha de radiografias, nem mesmo de anestesia nos primeiros procedimentos…

Veja aqui como tudo começou:

O início – Excisão

As primeiras tentativas de tratamento cirúrgico do quadril doloroso datam de 1780, com as primeiras descrições de Henry Park, cirurgião inglês, discípulo de Pott. Consistia da retirada do fêmur proximal e da cápsula articular. Consta que Park encontrou muita resistência de seus colegas que preferiam um método mais prático e rápido para a época – a amputação – já que ainda não existia a Anestesia, que só surgiria bem mais tarde, em 1846.

A primeira artroplastia de ressecção é creditada a White de Londres, em 1821, com a retirada da cabeça femoral e relato de melhora da dor de seu paciente por pelo menos 12 anos seguidos, até sua morte.

Barton realizou a primeira osteotomia (corte ósseo) de um quadril rígido em 1826. Consta que o procedimento foi realizado sem anestesia e em sete minutos… Descobriu na evolução que a manipulação sequencial do foco de osteotomia provocaria uma pseudoartrose (uma falsa articulação) que poderia melhorar a dor. Os seus resultados foram por muitas vezes incertos e a mortalidade beirava os 50% nesta época.

As tentativas – Interposição

Por volta de 1860 começavam as artroplastias de interposição. Nesta época intercalava-se algum material entre as extremidades ósseas (do fêmur e da bacia) na tentativa de produzir-se movimento e alívio da dor.

O francês Ollier, considerado o pai da cirurgia ortopédica, era a referência na época. Ele testou o uso de gordura intra-articular sem muito sucesso, mas seu conceito inicial, de interposição, perpetuou-se. Prosseguiram as tentativas, com o tcheco Chlumsky, que sistematicamente usava diversos materiais como: músculo, celulóide, prata, borracha, magnésio, zinco, vidro, cera, etc. É muito curioso notar que Chlumsky rotineiramente testava seus implantes  nos animais de seu laboratório antes de implantá-los em humanos, o que era absolutamente inovador em sua época.

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Em 1891 o alemão Gluck iniciava as tentativas de fixação de uma prótese de marfim ao osso, com o uso de parafusos metálicos e eventualmente gesso e resinas.

É interessante ressaltar que as radiografias só seriam inventadas em 1895, pelo alemão Roentgen e todo o progresso relatado até aqui se baseava apenas em achados clínicos e cirúrgicos, sem nenhum exame de imagem.

Na virada do século, por volta de 1900, o americano Murphy (mais famoso por seus estudos sobre a apendicite) desenvolveu a queilectomia. Esta abordagem não envolvia nem a ressecção da articulação nem sua substituição, mas sim a remoção dos osteófitos (popularmente conhecidos como “bicos de papagaio”). Esta técnica teria importância mais à frente, no que hoje chamamos de “cirurgia preservadora do quadril”.  Seus resultados não foram muito animadores e voltou-se à pesquisa da interposição novamente, agora usando um tecido que envolve os músculos da coxa, o fascia lata.

Outro material curioso usado para interposição articular na época era a bexiga de porcos. Em 1918 este procedimento era popular no renomado hospital americano Johns Hopkins, através das mãos de William Baer. Na mesma época Robert Jones usava folhas de ouro para recobrir a articulação danificada.

Por volta de 1930 Smith-Petersen, em Boston, descreveu uma cirurgia similar àquela de Murphy, em 1900, para ganho de mobilidade e alívio da dor. Neste trabalho relatou conceitos mecânicos do que hoje conhecemos como “impacto fêmoro-acetabular” e abriu caminho para o futuro entendimento de alguns tipos de artrose do quadril.

Testou também moldes de vidro, bakelite e pyrex. Por sugestão de seu dentista, introduziu o Vitallium, liga metálica que havia recentemente sido lançada nos materiais odontológicos com relativo sucesso. Implantou 500 copas de Vitallium nos próximos 10 anos e mostrou os primeiros resultados clínicos razoáveis em próteses de quadril.

O desenvolvimento – A artroplastia total de quadril

Paralelamente, Delbet testava na França uma prótese femoral de borracha em 1919. Em 1927 Hey-Groves testou o marfim na Inglaterra. Hey-Groves também descreveria o tratamento de lesões do ligamento cruzado anterior do joelho e a fixação de fraturas com hastes intramedulares. Em Paris os irmãos Judet desenvolveram uma prótese acrílica em 1948 e chamaram muita atenção pelo desenho inovador de sua prótese, com uma pequena haste para fixação femoral, porém seus resultados também foram pouco satisfatórios.

Como os resultados até então eram bastante erráticos, novamente a excisão da cabeça femoral se popularizou com Girdlestone, de Oxford, em 1940. Esta cirurgia ainda hoje é utilizada como (última) opção de tratamento em algumas complicações de próteses de quadril, como as infecções de difícil controle.

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Nos EUA o conceito dos irmãos Judet foi refinado por Thompson em 1950 – que desenvolveu um modelo em Vitallium que caracterizava-se pela presença de um colar e uma haste intramedular e também por Austin-Moore e Bohlman, que desenvolveram um modelo semelhante, mas com uma janela que permitia o crescimento ósseo. Estes foram os dois primeiros modelos produzidos em série, comercializados e distribuídos amplamente. Ainda são usadas algumas variações destes modelos, principalmente em fraturas de colo femoral em pacientes idosos e pouco ativos (chamadas de próteses parciais de quadril, pois substituem apenas o lado femoral).

Nos anos 40, Haboush em Nova Iorque, testava a fixação protética com cimento acrílico. Nos anos 50, na Inglaterra, McKee concebeu a combinação da prótese femoral de Thompson com uma cúpula metálica fixada no acetábulo. Seu conterrâneo Ring fez testes semelhantes e relatou bons resultados para a época. Estas próteses perderiam lugar apenas nos anos 70, para a prótese de Charnley.

O sucesso – Sir John Charnley

O inglês Sir John Charnley (1911-1982) é considerado o pai da prótese total de quadril moderna. Sua publicação “Artroplastia de Baixa Fricção do Quadril”, dos anos 60, delineou suas pesquisas e seus princípios. Embora – logicamente – tenha havido muita evolução nos últimos 50 anos, a maioria dos seus princípios são válidos até hoje.

Entre suas inúmeras conquistas destacam-se: o conceito da baixa fricção em si, o entendimento da biomecânica do quadril aplicada à artroplastia, o uso do polietileno de ultra-peso molecular, o uso e técnica de cimentação do polimetilmetacrilato, uso de antibióticos profiláticos, cuidados na sala cirúrgica, desenvolvimento de instrumentais etc.

A leitura de sua biografia (John Charnley – The Man and the Hip. Springer-Verlag, 1990) é um interessantíssimo mergulho na vida e na pesquisa desta figura ímpar na história da Medicina. Contém muitas passagens curiosas – como a ocasião em que implantou em si mesmo um fragmento de polietileno para testar sua reação biológica – entre outras tantas curiosidades e ilustrações feitas por ele, sobre o desenvolvimento de sua técnica e de seus materiais.

Sem dúvida é a figura mais importante na história da artroplastia total do quadril.

A atualidade

Os grandes avanços atuais da prótese de quadril se concentram fundamentalmente nos avanços da técnica cirúrgica em si, no entendimento de seus mecanismos de desgaste e na durabilidade dos materiais, principalmente das superfícies de deslizamento.

Entenda mais sobre este assunto navegando pelo menu “Informações”.

Veja abaixo alguns modelos de próteses modernas.

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