Cirurgia Preservadora do Quadril

A variedade de alterações morfológicas que podem acometer o quadril é muito ampla. No acetábulo – a grosso modo – em um extremo deste gradiente lidamos com a instabilidade e no outro extremo, com o excesso de cobertura óssea. Veja alguns exemplos desta variedade nas figuras abaixo:

A cabeça femoral também pode ser acometida por várias patologias. Estas podem produzir os mais diversos formatos como sequela residual. As alterações acetabulares e femorais podem ainda ocorrer de modo associado, produzindo inúmeras variedades morfológicas.

A área da Cirurgia do Quadril chamada de “Cirurgia Preservadora” compreende todos os procedimentos cirúrgicos que visam manter o quadril natural. Preservá-lo ao invés de substituí-lo. Neste grupo encontram-se a artroscopia (cirurgia por vídeo), e também as mais variadas formas de osteotomias (ou “cortes ósseos”). Veremos que alguns procedimentos podem ser feitos por via artroscópica ou por via aberta, enquanto outros necessitam ser feitos obrigatoriamente por via aberta.

Estas técnicas objetivam a mudança da orientação espacial ou do formato do fêmur e/ou da pelve, trazendo-os ao mais próximo possível da normalidade. Estes procedimentos podem ser curativos ou paliativos, dependendo do caso.

No passado a cirurgia preservadora era mais popular na ortopedia pediátrica. A partir dos anos 90 começou a ganhar novamente interesse para o tratamento do quadril adulto. Por volta do ano 2000 assistimos a uma grande popularização das técnicas artroscópicas para o quadril e da cirurgia preservadora de modo geral.

A seguir, você poderá conhecer melhor alguns tipos de procedimentos preservadores do quadril adulto:

ARTROSCOPIA DO QUADRIL

A artroscopia se refere ao ato de “olhar a articulação”.

Por meio de microcâmera, possibilita-se também o uso de diversos equipamentos específicos para o trabalho intra-articular e peri-articular. É um método de se fazer uma cirurgia e existem várias cirurgias que podem ser feitas por este método.

Existem algumas limitações e, ao contrário do que pensa o “senso comum”, não é melhor ou pior do que a técnica tradicional. Cada técnica tem sua indicação, cada caso tem sua indicação.

Você pode conhecer melhor esta técnica no link dedicado exclusivamente à artroscopia de quadril, clicando aqui.

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MINI-OPEN E MINI-OPEN ASSISTIDO POR VÍDEO

mini-open é um tipo de acesso ao quadril feito “pela frente” da região da virilha, representado em azul, na figura acima. O tamanho da incisão é reduzido comparativamente ao da incisão clássica de Smith-Petersen. Usa-se apenas uma parte desta incisão.

Não há tamanho padrão para a incisão do mini-open, pois o comprimento desta varia de acordo com a constituição física do paciente e com a complexidade do caso. Em casos favoráveis pode ser de apenas 04 ou 05cm.

As indicações do mini-open são muito similares àquelas da artroscopia e em algumas situações podemos ainda usar o instrumental de vídeo associado a esta incisão. Desta maneira ampliamos a visão de dentro da articulação. Assim como a artroscopia, também tem algumas limitações, mas é uma técnica bastante versátil.

LUXAÇÃO CONTROLADA DO QUADRIL

A luxação controlada do quadril foi desenvolvida pela equipe do Prof. Reinhold Ganz nos anos 90. Seus detalhados estudos anatômicos do fêmur proximal (principalmente da sua vascularização) produziram uma referência científica sólida, que possibilitou a ampliação do alcance da cirurgia preservadora.

Esta técnica permite a luxação do quadril de forma mais segura, minimizando-se os riscos de sofrimento circulatório da cabeça femoral. Através de um corte ósseo (chamado de slide trocantérico) e do desenvolvimento de um retalho vascular, podemos “desencaixar” o quadril cirurgicamente e “encaixá-lo” novamente ao fim do procedimento. Permite a visão (e o tratamento) de 360 graus, de toda a articulação. Veja na figura acima.

A luxação controlada foi descrita inicialmente para o tratamento do impacto fêmoro-acetabular. Trata-se na prática de um acesso cirúrgico, e atualmente suas aplicações foram bastante ampliadas.

Possibilita o tratamento de diversas lesões e deformidades que podem acometer principalmente a região intra-articular do quadril.

Tem muita utilidade também no trauma, no tratamento de algumas fraturas da cabeça femoral e do acetábulo.

PAO – OSTEOTOMIA PERIACETABULAR

Outra grande obra do Prof. Ganz e equipe. É também conhecida como osteotomia de Berna em homenagem à cidade de seu criador, na Suíça.

Faz parte do grande e heterogêneo grupo das osteotomias pélvicas. A principal indicação deste tipo de procedimento é o aumento da cobertura da cabeça femoral nos casos de displasia, quando esta cobertura é deficiente. Casos de retroversão acetabular (erro de rotação) também podem ser corrigidos através de uma PAO reversa.

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As vantagens da osteotomia de Ganz em relação às outras osteotomias pélvicas são: permitir o re-posicionamento de cartilagem articular (hialina) na área de carga do quadril; permitir uma correção considerável da orientação do acetábulo e manter uma coluna óssea íntegra na pelve, aumentando a sua estabilidade.

Na figura abaixo veja como é o desenho da osteotomia, que permite um re-direcionamento de todo o acetábulo enquanto preserva uma coluna óssea intacta na parte posterior:

Veja como fica a posição final do fragmento, após o redirecionamento. Corrigem-se as inclinações do acetábulo, aumentando a cobertura da cabeça femoral. O fragmento é então fixado com parafusos e aguarda-se a consolidação óssea.

OSTEOTOMIAS VALGIZANTE OU VARIZANTE DO FÊMUR

São os tipos mais clássicos de osteotomias usadas no tratamento de deformidades da parte proximal do fêmur, principalmente a valgizante, mostrada na figura abaixo:

Suas indicações diminuíram bastante nos últimos anos para quadris adultos por conta da melhora da tecnológica das próteses de quadril. Nas patologias do quadril pediátrico ainda são muito úteis.

Objetivam a mudança da angulação entre a diáfise (parte longa) do fêmur e o colo femoral. Podem ser associadas a correções rotacionais também. Sua limitação com as técnicas antigas era a ausência da abordagem dos problemas intra-articulares, quase sempre associados às patologias do fêmur proximal. Hoje, esta abordagem pode ser possível através da luxação controlada ou da artroscopia, possibilitando um tratamento mais completo.

OUTROS PROCEDIMENTOS: OSTEOTOMIA DE DUNN MODIFICADA, CLAMSHELL / ALONGAMENTO RELATIVO DO COLO FEMORAL, TRAP DOOR, ETC

Como vimos anteriormente, o desenvolvimento da luxação controlada permitiu avanços em outras patologias do quadril, além daquela para qual foi desenvolvida. Os procedimentos listados aqui têm suas indicações sendo mais estudadas e ampliadas atualmente.

De maneira simplificada, consistem do seguinte:

Osteotomia de Dunn modificada: permite a relocação de uma cabeça femoral escorregada (epifisiólise) no centro do colo femoral. A indicação mais comum é em quadris imaturos com escorregamentos graves e instáveis.

Clamshell: é uma osteotomia redutora da cabeça femoral, que pode estar alargada por sequela de doenças da infância (principalmente Legg-Perthes). A técnica assemelha-se ao fechamento de uma concha, daí seu nome.  Mais indicada em quadris pediátricos. É uma técnica bastante recente e estudos ainda estão em andamento.

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Alongamento relativo do colo femoral: em algumas situações pode ser vantajoso o alongamento relativo, como em um caso de coxa breve ou vara (colo femoral curto ou com angulação menor do que a média). Como não é possível alongar realmente o colo femoral, realiza-se o alongamento relativo, levando outra estrutura óssea (grande trocânter) junto com seu retalho vascular, para mais longe do colo.

Trapdoor: é uma das técnicas usadas no tratamento da osteonecrose do quadril adulto em uma fase bem específica da doença, quando inicia-se a fratura subcondral. É uma tentativa de evitar-se o colapso da cabeça femoral. Pode ser feita através do miniopen ou por luxação controlada. Tem variantes como a técnica lightbulb entre outras, porém os resultados destas técnicas de modo geral não são muito animadores. Quando a osteonecrose do quadril é grave e atinge a fase de fratura subcondral geralmente acaba sendo necessária a artroplastia total de quadril em algum momento.

CONCLUSÃO

Cirurgia Preservadora do Quadril surgiu como um terceiro ramo da Cirurgia do Quadril (juntamente com a Artroplastia e o Trauma) e já está muito bem consolidada nos EUA e Europa, com serviços organizados e dedicados somente a este ramo.

É uma alternativa que pode postergar ou talvez até evitar uma cirurgia de substituição do quadril em casos selecionados. A indicação da melhor técnica a ser usada depende de vários fatores e deve ser feita de modo individualizado.

É importantíssimo ressaltar que nem todas as patologias citadas aqui necessitam obrigatoriamente de tratamento cirúrgico, pois muitas pessoas podem se beneficiar do tratamento não cirúrgico, incluindo fisioterapia, medicação, perda de peso ou simplesmente mudança de atividades físicas.

A grande restrição encontrada hoje na Cirurgia Preservadora é o tratamento da cartilagem, que ainda não pode ser restaurada à sua condição original. O desenvolvimento de novas terapias pode acabar com esta limitação no futuro.

Leia mais sobre estas terapias com células tronco, PRP, etc na seção “outros procedimentos”.

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